Discutir bem-viver não é senão esquadrinhar seus elementos constitutivos e analisá-los um a um, no intuito de formular uma compreensão mais ou menos holística daquilo que esse objeto de estudo é e do que ele não é. Mas muito mais do que a mera dissecção mais puramente analítica, é permitir-se a vulnerabilidade que requer o tratamento das matérias afetas ao coração e ao nosso âmago. Pois muito do que se fala em viver bem, e em bem-estar e felicidade em geral, é matéria a abordar de peito a peito, esse assento das emoções que ora nos trazem sorrisos, ora lágrimas, e toda a miríade de experiências afetivas que são próprias do humano. Estar vulnerável é preciso para o estabelecimento da comunicação e do entendimento em nível conectivo. Na seara, estas palavras se escrevem por quem, como você, leitor ou leitora, que, entre duras secas e árdegos temporais – alinhavados por momentos de júbilo e gozo –, busca a cada dia escrever uma estória de vida mais feliz, para si e para quem se ama. Escrevem-se, sobretudo, por quem, outrora desencantado pelos estranhos feitiços da vida, pôde-se convencer por outros que novas buscas são válidas sempre. Jornada contínua e, por vezes, árdua, a busca pela vida que se vive bem não é e não pode ser empreendimento exclusivamente solitário. Podese isso tentar, e todo esforço nesse sentido é digno de louvor, porém os frutos são destinados a ser poucos e diminutos. Como desenharemos nas próximas linhas, o bem-viver passa necessariamente pela transformadora abertura dos olhos para o que há além do imediato interesse pessoal. É jornada conjunta e incerta, mas pontilhada de marcos e sinalizações de toda espécie, legados por uma legião de seres humanos que partilharam desta mesma Terra, perlustrando essas mesmas veredas ancestrais. Guias que são esses registros a nós deixados, é o que estes escritos pretendem emular; apontar para caminhos que, validados pela experiência, conduzem a melhores estados de ser e de viver. Unindo uma exposição mais sistemática ao estilo proposto, o tópico será trabalhado em itens, de acordo com sua temática e sua relação com o objeto principal. Com esses intentos e sentimentos, deixa-se aqui o registro da gratidão pela curta companhia ao longo destas linhas sobre as quais o(a) leitor(a), deixando de lado seus afazeres sem-fim, se propôs a navegar. Diz- 1
estas escritos. CONEXÕES HUMANAS Iniciado no ano de 1938, o Estudo de Harvard sobre o Desenvolvimento Adulto1 é uma das pesquisas mais longevas existentes sobre o tema da felicidade. O que se descobriu ao longo dessas décadas é que, mais do que dinheiro ou fama, relacionamentos próximos e benfazejos constituíram os principais fatores de bem-viver para as centenas de participantes, de diferentes gerações. Segundo o estudo, esses vínculos nos protegem dos dissabores da vida, ajudam a postergar o advento do declínio físico e mental e têm impacto muito maior no bem-estar do que fatores como classe social, inteligência ou genética. Conforme sugerido, um dos pilares do viver bem é o estabelecimento e o fomento de relações humanas salutares. E como definir saudável nesse contexto? Define-se relação saudável, em geral, como o laço interpessoal que promove, em nós, o encorajamento da autenticidade do ser sem o risco de julgamento arbitrário e injusto, e sem o perigo de que nossa vulnerabilidade seja transmudada em arma para nos ferir eventualmente. A relação saudável de cuja importância cardinal falam os pesquisadores devolve-nos a nós mesmos, gentil e bondosamente, permitindo-nos o desenvolvimento de nosso caráter fundamental – e não necessariamente a máscara de que lançamos mãos para fins de sobrevivência e florescimento social –, com todas suas ramificações terapêuticas e benignas. Não se refere aqui a nenhum tipo particular de laço, longe do que nos ensina o presente Zeitgeist, de que certas relações têm preponderância de sentido e satisfação sobre todas as outras, de forma inerente e automática. Não será um vínculo sanguíneo, necessariamente, mais propício a nosso crescimento e evolução, por sua só natureza. Na realidade, relações familiares também, e particularmente, sujeitam-se às intempéries que corroem conexões. É dizer; toda e qualquer espécie de liame, de qualquer grau e natureza, tem o potencial de nos roubar de nossa essência, e igualmente de nos restaurar a ela. Casamentos duradouros podem ser fonte de grandes alegrias, mas também de grandes dificuldades. Amizades próximas podem ser abusivas ou nutritivas, ou, decerto comumente, um amálgama complexo desses extremos do espectro. É sem dúvida que a 2
Porém, ainda assim, é possível discernir – cada um por si, em cotejo com as suas próprias circunstâncias de vida e de espírito – aqueles indivíduos de cujo contato mais ou menos nos beneficiamos. 1 Fonte: https://news.harvard.edu/gazette/story/2017/04/over-nearly-80-years-harvardstudy-has-been-showing-how-to-live-a-healthy-and-happy-life/. Acesso em 17 de agosto de 2023. O homem não é uma ilha, tampouco é como mera abelha na coletividade da colmeia. Nem o extremo do isolamento nem do emaranhamento social parece valer à espécie humana em seus traços fundamentais. Embora seja certo que o engajamento social excessivo traz consigo o potencial de consequências indesejáveis, o estar associado a pessoas e a meios aos quais o âmago, nossa alma, seja cara, aceita e celebrada pode sem questão ser fator determinante entre um estado de adoecimento (ou mesmo perecimento) das emoções e uma posição de saúde interior e do bien-être de que falam o docente francês Jean-Pierre Rolland2 e os psicólogos positivos. O indivíduo em isolamento, ou inserido socialmente, mas destituído da capacidade de formar e solidificar liames em seu(s) grupo(s), é privado não só nutrimento do qual nosso sistema nervoso é construído ab ovo a recepcionar continuamente, mas também do necessário escrutínio por outrem de que as ideias humanas necessitam para sua regulação e balizamento. Em outras palavras, pela solitude excessiva perde-se duas vezes: deixa-se de receber a cânfora do afeto e da validação alheios e ganha-se um passo mais firme em direção ao embaciamento da mente, assim povoada por toda sorte de fantasmas que nos circundam a todos, e das quais devemos guardar constante vigilância. Em que peitos seu peito encontra afagos de fonte abundante? Em que mentes suas ideias mais íntimas encontram reflexo e campo livre, livres de julgamento? De quais energias a sua própria se alimenta quando combalido(a) de toda sorte de batalhas? A qualidade das conexões humanas sente-se por intuição, por suspiros anímicos sutis, mas nem por isso menos estrondosos e importantes em suas indicações. De forma inversa, quais portas parecem eternamente fechadas para os clamores de seu coração, sempiternamente distantes ou desfocadas? Ou quiçá pior, em que corações habita o desinteresse pelo seu? Com investigação honesta e persistente, somos capazes de identificar os terrenos em que é bom lançar nossa semeadura, e aqueles nos quais o solo ou é infértil ou é mesmo inexistente. 3
vibrações energéticas, inserta em nossa constituição ab utero, como parte inseparável de ser humano, mas que pode perder o bom calibre se ofuscado por ideias outras. São múltiplas e complexas as razões pelas quais se esvanece nossa habilidade de distinguir conexões benéficas daquelas que não nos fazem o bem que merecemos. 2 Jean-Pierre Rolland, « Le bien-être subjectif: Revue de question », Pratiques Psychologiques, 2000, p. 5-21. Contudo, não importa quão incerta a mente, se pararmos e ouvirmos, verificaremos que a voz do coração sempre nos dá diretrizes, sempre nos comunica algo de importante a respeito de nosso viver, e do quanto dele está sendo bem ou mal empreendido. O que é um bom amigo se não um porto seguro para o desenrolar de nossa existência? Quem é o bom pai ou a boa mãe se não alicerces para o abrir de nossas asas mais verdadeiras e reais? As pessoas benévolas permitem-nos, acima de qualquer outra coisa, com graça e amor, ser quem realmente somos. As máscaras e fantasias cobradas pela egrégora universal dependuramos à porta em sua presença, ou em nosso trato com eles, qualquer a forma, ainda que intimamente em nossa reclusão. De outro lance, quem são os antagonistas se não agentes de limitação de nosso ser autêntico? Quem pode despir-se e mostrar-se em nudez emocional perante alguém que não nos quer bem, ou que não se importa conosco de um jeito ou de outro? É nesse sentido que se diz que todo vínculo que limite as possibilidades de nosso ser e viver no mundo, autenticamente às verdades do seu cerne, não é aquele em que se deve investir sobremaneira. Ao deixarse nutrir do mal querer, ou, ainda pior, da total indiferença por parte de outrem, o que resta é o apequenamento, a restrição e a estagnação. Não se pensa nesses estados quando o que se busca é a vida bem vivida, ou a vida que vale a pena viver. É por ser o homem um ser tão profundamente necessitado de expansão de si, de validação e de aceitação do seu existir, não só por si, mas também por outrem, que se declara com convicção que uma boa vida requer boas conexões, com o amparo da experimentação científica rigorosa e zelosa. Cuidar das boas relações é uma expressão também do amor-próprio. Outros aspectos de relevo para a definição do bem-viver relacionam-se intimamente com vínculos sociais, e não podem ser realizados pelo indivíduo em isolamento. O senso de propósito, por exemplo, quase que universalmente se dirige à promoção do bem alheio, de modo direto ou 4
consubstancializa sob o prisma da interconectividade de todos os humanos (ou de todos os seres vivos, em algumas perspectivas). É espiritual, ou age espiritualmente, aquele que realizou por si a transcendência da (sua) realidade, o fato de que há algo para muito além de sua própria consciência, do qual ela é apenas pequena parte. Ambas as perspectivas se concretizam no âmbito das conexões, e põem-se acima do homem individualmente considerado. É por possibilitar o acesso a outras fontes de júbilo que se diz que a conexão é parte integral de uma boa vida. Um outro aspecto digno de menção, e que se insere no âmbito discutido, é a construção do importante senso de comunidade, pelo través do pertencimento. Pertencer a uma comunidade onde nossas expressões mais recônditas do ser encontram ressonância satisfaz do indivíduo uma gama extensa de necessidades emocionais e psíquicas, fornecendo um senso de segurança e arrimo. Mais afortunado(a) se é quanto maior o número de comunidades benéficas às quais se pertence. A comunidade salutar absorve e dissipa a carga individual, alquimicamente transmutando-a em novas forças. A comunidade salutífera acolhe, transforma e fornece ganhos de toda espécie. ESPIRITUALIDADE O termo ‘espiritualidade’ será aqui definido e usado nesta acepção: uma visão de mundo voltada à transcendência, na mais ampla concepção desse termo. A transcendência é o ponto comum das variadas expressões coletivistas de espiritualidade na história humana, e é também o objetivo das práticas espirituais individuais. Transcender é simplesmente ‘ir além de’, ‘ultrapassar’ e ‘exceder a’. O que se busca extrapolar são as fronteiras e barreiras do pensamento contumaz e das formas de pensar e consequentemente agir fundadas nessas mesmas limitações. De costume, são as limitações egóicas de que se fala, ou aquelas demarcações mais nítidas entre o que é “eu”, ‘meu’ e o que é “outro(s)”, “do(s) outro(s)” etc. Herança tenaz do pensamento infantil, as paredes do templo do ego quase nada se desfazem por volição própria no curso do desenvolvimento humano, e os poucos desincentivos que a Natureza impõe não são capazes de penetrar suas espessas divisórias. A espiritualidade é um trabalho voluntário, 5
apequenadas da identidade pessoal, em benefício de ganhos mais profundos e significativos, para um número maior de destinatários. O nome a que se dá à prática é de pouca importância, e bem assim é a forma de que se reveste. O que interessa ao bem-viver são precisamente os frutos dessa prática espiritual. As dimensões dos frutos são tão numerosas quanto as inúmeras dimensões da espiritualidade, e não se pretende aqui perscrutar todas elas, mas sim tocar levemente em algumas julgadas relevantes. Como exemplo, podemos explorar a compaixão, a generosidade, o bem-querer, o amor e a superação ou adequado processamento do medo do próprio fim. Todas essas virtudes e benesses caracterizam-se pela extrapolação, pela transcendência da preocupação primeira e prioritária consigo próprio, e com a expansão e o estabelecimento do ego. Algo maior que eu é o objeto da investigação espiritual de grande parte dos praticantes sinceros. O encontro ou a construção do inefável que se projeta além dos confins do espaço e do tempo é o a que se dedicam. Dentro do espaço e do tempo percebemo-nos frágeis, encerrados em corpos que a todo instante dão sinais de seu gradual perecimento. O imaterial, o etéreo inefável e absoluto, como sustentação de uma vida terrena que muito pouco tem de paradisíaco e que muitos desafios de ordem carnal – e mesmo bestial – encerra. O escape do perceptível insatisfatório ao imperceptível que todas as possibilidades contém. Dentro da construção “algo maior do que eu” está contida implicitamente a construção “algo que persista de mim além da morte”. Dolorosamente cientes que somos de nossa própria mortalidade, grande é o esforço interno para distrair-se do mistério universal da morte. Tamanho é o impacto que esse temor primevo exerce sobre nossa psique e emoções que deve ser devidamente tratado no interesse da busca pelo bem-viver. Assim se clarificará melhor a relação da espiritualidade com o tema central de nossa obra. Como demonstrado por Ernest Becker em A Negação da Morte (1973), bem como por Sheldon Solomon, Jeff Greenberg e Tom Pyszczynski na obra The Worm at the Core (2015) (em tradução livre: “O Verme no Cerne”), o impacto que o temor da morte tem sobre nossa psique é imenso, de forma majoritariamente inconsciente. Em resumo apertado, argumenta-se que as sociedades humanas, e os indivíduos em si, são ambos governados pelo impulso primordial de evitar sua finalidade e de promover a imortalidade, 6
ou indireto. Sistemas políticos, religiões, civilizações e toda sorte de organização de pessoas ao longo da história humana são imbuídos do anseio fremente de transcender a morte e integrar-se o indivíduo ao símbolo representativo da imortalidade. Em nossas vidas podemos também observar nossa primeira fração de reação ao ser urgidos(as) a refletir sobre nossa mortalidade, sem distrações ou escapes superficiais. Há desconforto. É natural, e deve ser tratado como bom companheiro durante nossa caminhada pela vida. Se ignorado, ele torna-se vingativo e há de fazer mal. Não se concebe uma pessoa de boa maturidade interior que não tenha dialogado longamente com a Morte. Fatos há que somente podem ser realizados pela investigação do fim e do seu sentido, ou falta de sentido. Somente o praticante espiritual poderá perceber isso por si. O fato permanece que, como muito pertinente ao funcionamento do cérebro e da cognição humana em geral, evitar e ignorar a realidade da morte e nosso temor dela somente fará com que este cresça desproporcionalmente. A espiritualidade consiste na transcendência do Eu mortal para o Eu imortal; “que parte da existência é intrinsecamente minha, se há?” “Se sei que um dia fui, poderá haver algo da eternidade do Tudo em mim?” são algumas possíveis reflexões nessa empreitada. O maior benefício reside em geral em aproveitar-se das conclusões sobre nosso papel e importância dentro do Tudo para operar transformações interiores profundas, significativas e estáveis no caráter, pensamento e comportamento, de maneira que outros possam se beneficiar dos esforços, e porventura até mesmo se inspirar a emulá-los. É o que desenha em linhas gerais sobre a espiritualidade bem praticada, e sua relação com nosso bem-estar. Como foi aludido mais acima, as boas relações humanas têm precedência sobre diversos outros fatores de bem-estar identificados cientificamente. A prática espiritual, quando bem-sucedida, e não tornada em veículo para o exercício de violências e opressões diversas, abre a porta para conexões de maneira eficaz: Suponha que uma pessoa tenha se inspirado por suas crenças pessoais a dar um presente, ou a oferecer ajuda a alguém do seu círculo de convívio. Todas essas extrapolações do mero ego servem para sedimentar, gradualmente, laços mais fortes, que por sua vez tenderão a trazer grande retorno emocional, e mesmo físico. A formação de comunidades também é facilitada pela adoção de medidas voltadas para o bem do outro. Projetos comunitários são fundados 7
prosperar determinado grupo de pessoas. Toda sorte de benefícios pode ser obtida, do ponto de vista da construção de liames salutares, pelo exercício da generosidade, por exemplo, nas suas mais diversas formas. Até mesmo presentear nossa própria vulnerabilidade pode ser benéfico a alguém que nos quer bem. Muito pouco precisa ser dito sobre os benefícios do bem-querer e do amor. Esses são sentimentos orgânicos que podem trazer inúmeros benefícios à nossa saúde mental e física. Podem ser cultivados conscientemente ou apenas existir; em todas suas formas são sentimentos de alto valor para quem busca viver bem. A necessidade de amar e de ser amado é tão basilar para o homem/mulher quanto o respirar e o alimentar-se. Embora independam de reciprocidade para existir validamente, têm especial benefício se partilhados. Amar e ser amado há de ser uma das mais finas experiências do ser humano, e muito bem faz ao coração. Por essas razões e por muitas outras, diz-se que a boa e sincera espiritualidade é um importante aspecto de uma vida bem vivida. SENSO DE PROPÓSITO Atribui-se ao filósofo alemão Friedrich Nietzsche (um tanto erroneamente 3) o aforismo de que quem tem um porquê é capaz de suportar qualquer como, e muita verdade há na asserção. Vinculado a um sentido, uma razão ou razões pela(s) qual(is) a mente e o corpo se movem, o indivíduo é revestido de maior força e ímpeto do que de outra forma seria capaz de ter. Ocasionalmente, o propósito dirige-se à promoção de benesses não só à pessoa nele investida, mas a outros seres humanos, determinados ou não. Isso conecta o senso de propósito a valores como a transcendência/espiritualidade e toca igualmente o plano das conexões humanas que brevemente exploramos mais acima. Um propósito menor une todos os seres humanos, aliás todos os seres vivos: manter-se vivo por mais tempo possível. Esse objetivo consome boa parte de nosso tempo e recursos e de nossa capacidade cognitiva. No ser humano, diferentemente dos animais não-humanos, a questão da sobrevivência é muito mais complexa, porquanto envolve igualmente as dimensões psicoemocionais e espirituais, para além da mera fisicalidade. O peixe no lago mantém-se vivo e íntegro pela simples proteção do seu corpo 8
além dessa, é dotado de outras preocupações elementares: Sou bem-quisto pelos demais? Recebo o amor de que necessito deste ou daquele meio? Minha vida significa algo na perspectiva maior? Esses e outros questionamentos serão parte integral na busca de uma vida boa, que é a busca universal por excelência. 3 Kritische Gesamtausgabe: Abt. 1. Also sprach Zarathstra. Ein Buch für Alle und Keinen, 1883-1885 O propósito a realizar tomará tantas faces quantos forem seus buscadores. É dizer; a forma e as características são intimamente pessoais, e podem variar para a mesma pessoa em conformidade com a época, o nível de maturidade, o humor e disposição gerais etc. Mas advoga-se pela criação de um plano, um intento, um projeto, ou variados projetos, pelo grande impacto que se reconhece geralmente ter essa perspectiva sobre nossa habilidade de gerar júbilo e satisfação para si próprio, ou para a comunidade maior. Tem propósito o prisioneiro condenado a quatro décadas de encarceramento que anseia pelo reencontro com sua filha e netos, e esse marco o mantém habilitado a tolerar as adversidades de seu meio hostil. É destituído de propósito o milionário que busca incessantemente em entorpecentes e nas aventuras sexuais afogar o vazio berrante que se apossou de seu peito. Não se faz aqui crítica ao material, porém é de se admitir que algo de metafísico é requerido, ou ao menos pertinente, ao bemviver. Pode ver-se no brilho no olhar do(a) que foi bem-sucedido(a) em estabelecer para si um propósito eficaz, e sua ausência também é notória naquele(a) cuja existência se reduziu a pouco mais que a repetição semiautomática de tarefas. O senso de propósito como que separa as almas avivadas das almas mortiças, tal é a sua significância. O célebre psiquiatra e neurologista austríaco Viktor Frankl fundou a logoterapia (do grego λόγος, logos: sentido e θεραπεία, terapeia: tratamento médico), denominada por ele de Terceira Escola Vienense de Psicoterapia após Adler e Freud 4, a qual se baseia na crença de que a busca por sentido é a força motivacional primária e mais poderosa no ser humano. Os princípios, originalmente esboçados na obra Em Busca de Sentido (1946), 9
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